[19] Hoje não, amanhã o ano começa
É o primeiro minuto do primeiro dia do primeiro mês do ano.
Em algum lugar pessoas brindavam entorpecidas ao badalar da meia noite, mas não aqui.
Em algum lugar, juras de amor, de cumplicidade, joelhos no chão, sete ondinhas eram puladas e promessas de uma vida diferente eram feitas a partir da manhã seguinte. Por aqui, não dessa vez.
Em algum lugar, em uma outra linha do tempo, eu estou num lugar cheio de gente, música, sendo a pessoa comendo as 12 uvas, fazendo promessas internas de sonhos antigos, que continuam se repetindo de janeiro a janeiro faz tanto tempo que já nem me preocupo mais em pensar em metas e resoluções, apenas reciclando as do ano anterior com uma nova roupagem e desejo que apenas a primeira hora do dia primeiro de cada janeiro traz consigo.
É o primeiro minuto do primeiro dia do primeiro mês do ano.
E meu primeiro pensamento é: acabou!
Tem outra magia que esse minuto traz, que é a esperança saltitante vestida na fantasia que as fatias de tempo que inventamos nos convence. Não é nem mais um sistema de crença, tal qual os três nós da fitinha no pulso, as lentilhas, uvas, ondas e banho de folha da virada. É o desespero de um ciclo que precisa se encerrar.
Respiro aliviada no primeiro minuto do primeiro dia do primeiro mês do ano e decido que, só por hoje: não.
Que hoje não, não vai ter plano, meta, vontade, desejo, corrida, comida regulada, calcular orçamento, lista de tarefas e tudo aquilo que carrego comigo na ânsia de viver e continuar conscientemente viva.
Amanhã o ano começa, pra aquela nova vida que eu, de fato, planilhei, estipulei e desejo nos outros 364 dias do ano.
Hoje, vou tirar meu dia pra saborear o café novo que achei numa promoção no mercado ontem. Vou sentar na ponta da cama e ver a chuva cair pela janela. Vou sair de casa sem celular.
Hoje eu vou tentar adivinhar quantas pintas tem na bochecha esquerda do cachorro que dorme no meu colo e re-assistir algum filme besta que eu adoro e já sei todas as falas.
Hoje, eu vou me deixar fingir que a vida já está ajustada, no lugar, decidida. Hoje, vou viver como se os problemas fossem mundanos, as soluções fossem fáceis e a vida fosse eterna.
Amanhã o ano começa, a vida recomeça, a existência consciente recomeça.
Pra hoje? Eu aceito colo, conversas triviais e um tanto de nadas cheios de tudo de uma vida que só existe no agora.
Feliz ano novo.
Tudo de novo.
Com amor, fé e um desejo desesperado por um amanhã contundente,
— Andy C.
Um dia sem planos, sem pressões, sem expectativas. Todo mundo merece pelo menos um dia desses por ano. Feliz ano novo ghost Andy. Aguardamos o seu retorno, seja ele como for e com a nova Andy, como ela for.